Automotora UDD 9635 em Sernada do Vouga, a 12 de dezembro de 2024. Foto: Bruno Soares |
Quando se fala na modernização da Linha do Vouga, o tema da bitola há muito que deveria estar ultrapassado. Se o Plano Ferroviário Nacional estivesse aprovado e fosse seguido à regra, isso já não seria tema de discussão.
A verdade é que a obsessão da mudança para bitola ibérica e a pressão do 'lobby' que isso defende, e que entretanto se enraizou dentro do próprio governo, tem ganho terreno nos últimos tempos, o que deixará o futuro desta via férrea num impasse mesmo após a conclusão dos trabalhos de renovação de que está a ser alvo.
Prova disso é o Estudo de Procura e Análise Custo-Benefício com que a Infraestruturas de Portugal vai agora avançar, tendo esta confirmado ao MCLV que um dos cenários objeto de estudo implicará a mudança para bitola ibérica no troço norte (Espinho-Oliveira de Azeméis), com o intuito de criar a "ligação da Linha do Vouga à Linha do Norte, a partir da zona de Espinho, com introdução de um serviço suburbano".
A propósito deste estudo, e antes de sabermos desta intenção por parte da IP, o MCLV foi abordado por Diogo Ferreira Nunes, um dos mais conceituados jornalistas da temática ferroviária, para responder a uma série de questões para o Diário de Notícias (DN), as quais aqui partilhamos agora na íntegra:
DN: O que o vosso movimento tem a dizer sobre este estudo de procura e se isto comporta riscos de novo atraso na modernização da Linha do Vouga?
MCLV: Numa altura em que já deveria estar aprovado o Plano Ferroviário Nacional, e consequentemente, o projeto de modernização para a Linha do Vouga, a verdade é que a IP parece ir avançado, e bem, por decisão própria (e não do governo), com trabalhos de renovação de via que para já servem não mais do que para repor as condições normais de segurança e de circulação. Este estudo com que a IP vai agora avançar, quer parecer-nos também que nada tem a ver com o estudo que o governo inscreveu no Orçamento de Estado para 2025, este último com o objetivo, e citando o ministro Miguel Pinto Luz, de "pensar numa solução ainda mais perene que possa criar sinergias, nomeadamente com a Linha do Norte".
Respondendo concretamente à vossa questão, qualquer estudo que se faça neste momento, seja ele mais ou menos necessário, vai sempre atrasar o processo de modernização da linha, pois a IP e a tutela, em primeiro lugar, como é evidente, terão de esperar pelos resultados, e em segundo, em consequência das conclusões desses resultados, poderão optar por um projeto de maior exigência técnica, que exigirá também mais tempo de execução.
Entre outros, o “cenário 3” a que a IP se propõe a estudar é aquele que mais nos preocupa, uma vez que não se restringe à infraestrutura atual, o que significa por isso, que a empresa pública está a dar abertura para que possam ser estudados cenários que poderão passar pela mudança da bitola da linha, reconversão para Metro do Porto, ou pior ainda, reconversão em metrobus. Mesmo os cenários “1 e 2” aparentam ter algumas nuances que partem de pressupostos que consideramos errados, em primeiro porque a linha não será mais atrativa suprimindo paragens, e em segundo, não é apenas a eletrificação que lhe irá conferir tempos de viagem mais competitivos. O que esperamos que seja objeto de estudo para a modernização que se exige e que tornará esta linha atrativa e numa verdadeira solução de mobilidade, deveria passar pela reposição da interface com a Linha do Norte, em Espinho; a criação de outra com a futura Linha de Alta Velocidade no concelho de Santa Maria da Feira; a relocalização (e não supressão) de apeadeiros para zonas mais próximas a fábricas e habitações; aumento da frequência e implementação de horários cadenciados; eletrificação com correção de pelo menos 20% do traçado; aquisição de novo material circulante, etc.
Ora, mediante os estudos que a IP e a tutela têm agora em vista, relembramos que terá sido precisamente um estudo de impacte ambiental que reprovou a ligação direta da Linha do Vouga à Linha do Norte, em Silvalde (Espinho), devido à proximidade ao campo de golfe ali existente, o que terá acabado por se revelar o fator determinante que levou o governo anterior a optar por planear a sua modernização mantendo a bitola métrica e estendendo a via à superfície até junto da estação de Espinho, por forma a repor ali a extinta interface. Perante a opção em se gastar verbas em novos estudos, ao invés de, por exemplo, avançar-se com os trabalhos necessários para a reposição da dita interface, somos, portanto, da opinião de que o que era uma certeza voltou a ser uma indecisão, pois pretende-se analisar algo que seria de fácil conclusão, tendo em conta os dados da linha anteriores à eliminação desta interface, que mostram que esta terá perdido 100 mil passageiros. Aliás, a obsessão instalada pela mudança da bitola no troço norte, que serve os concelhos integrados na AMP, com o simples objetivo de se ter uma ligação direta ao Porto, só servirá para atrasar ainda mais o processo de modernização que já se arrasta há anos e não nos cansamos de alertar que dar abertura ou continuar a alimentar ilusões de mudança de bitola para a Linha do Vouga, é seguir por um caminho perigoso que pode levar à sua reconversão num simples metrobus, ou na pior das hipóteses, levar ao seu encerramento definitivo.
DN: Acham que o projecto de modernização previsto no PNI2030 está em risco?
MCLV: Por tudo aquilo que já explicamos na questão anterior e por estarmos convictos que este governo da AD tem uma visão para a modernização da linha totalmente diferente da nossa, até porque o secretário de estado Emídio Sousa e o ministro adjunto e da coesão territorial Castro Almeida são abertamente defensores da mudança de bitola, acreditamos que o governo poderá estar a preparar-se para rasgar o Plano Ferroviário Nacional no que à Linha do Vouga diz respeito, o qual é condizente com o que está inscrito no PNI2030, e portanto, ambos estarão em risco. Alterar o plano previsto pelo governo anterior é voltar a insistir numa solução que não funciona nesta linha, pois seja ela a mudança de bitola ou a reconversão em Metro do Porto, estamos a falar num cenário em que em ambos os casos teria que de se construir uma linha totalmente nova, que implicaria o triplo da despesa, que não passaria nos mesmos locais, e por conseguinte, não serviria as mesmas populações, que não se traduziria em ganhos de tempo de viagem e que acarretaria ainda mais problemas do que aqueles que já são conhecidos com a reconversão da Linha de Guimarães.
DN: Em que estado estão os actuais trabalhos na Linha do Vouga?
MCLV: Neste momento, os trabalhos de renovação integral de via do troço central, que liga Oliveira de Azeméis a Sernada do Vouga, têm avançado a bom ritmo, contabilizando-se já vinte quilómetros intervencionados entre a saída sul da estação de Oliveira de Azeméis e a entrada norte do apeadeiro de Urgueiras, em Albergaria-a-Velha. Acreditamos, por isso, que até ao final do primeiro trimestre de 2025, poderemos ter novamente os 96 quilómetros que restam da Linha do Vouga a funcionar na sua plenitude, entre Espinho e Aveiro. Ainda a propósito deste troço, embora sem garantir se o fará no decorrer destes trabalhos de renovação, a Infraestruturas de Portugal confirmou-nos recentemente que irá mesmo repor os Aparelhos de Mudança de Via (AMV, vulgo agulhas) nas estações de Pinheiro da Bemposta e de Albergaria-a-Velha. Tratam-se de boas notícias, já que depois de toda a polémica em torno deste assunto e de todos os nossos alertas para o erro que se estaria a cometer, a IP terá mesmo reconsiderado o projeto de renovação do troço central, que não previa a reposição dos ditos AMV e vai, por isso, repor os layouts daquelas estações para permitir cruzamentos de comboios. A empresa pública informou-nos, também, que a reativação daquele troço irá dotar estas estações para o serviço comercial, encontrando-se os AMV em processo de aquisição, sendo que efetuará a instalação dos mesmos assim que se considerar oportuno.
Quanto aos troços que faltam intervencionar também existiram avanços já que a Infraestruturas de Portugal, como é sabido e depois de subir os valores, lançou novo concurso público de 7,75 milhões de euros para a renovação do troço Águeda-Aveiro, e já anunciou a Fergrupo como a empresa vencedora do concurso de 7 milhões de euros para intervencionar o troço Feira-Espinho. No caso deste último, apesar da polémica em torno do visto por parte do Tribunal de Contas, o qual ainda não terá sido atribuído, estamos convictos que os trabalhos poderão arrancar no decorrer do primeiro trimestre do próximo ano. Quanto ao que resta intervencionar do troço sul (ou Ramal de Aveiro), analisando o timing do início dos trabalhos nos outros troços, muito provavelmente só verá máquinas no terreno no início de 2026.
Artigo DN: https://www.dn.pt/2620781993/linha-do-vouga-entra-em-impasse-apos-renovacao/
Artigo Dinheiro Vivo: https://www.dinheirovivo.pt/8424027779/linha-do-vouga-entra-em-impasse-apos-renovacao/
MCLV, 22 de dezembro de 2024
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